5 minutos com a AIS #104

Rita teve azar. Dias antes de o Daesh invadir e ocupar a cidade iraquiana de Qaraqosh, na Planície de Nínive, tinha estado na Turquia a tratar dos papéis para um pedido de asilo para si e para o seu pai.
Quando regressou a casa, já com o processo encaminhado, quase que teve de furar caminho entre as multidões que abandonavam já a região, perante os sinais alarmantes da chegada iminente dos jihadistas, os temíveis e bárbaros homens de negro.
Rita não tinha alternativa. O pai, invisual, estava à sua espera. Atravessou de novo as portas da cidade a 6 de Agosto de 2014. Nunca mais conseguirá esquecer essa data.
Foi nesse dia que a sua vida se transformou num inferno. Na manhã seguinte, a primeira coisa que viu, quando espreitou pela janela, foi a cidade em alvoroço, cheia de homens armados, e imensas bandeiras negras do Daesh nas ruas.
Os terroristas do Estado Islâmico tinham chegado. Todos os habitantes foram feitos prisioneiros e divididos em grupos. Homens para um lado, mulheres e crianças para outro.
Rita perdeu o contacto com o pai e foi levada para Mossul, outra cidade entretanto conquistada também pelos jihadistas. Disseram-lhe que ia ser trocada por outros prisioneiros.
“Vocês são os despojos da guerra, tanto vocês como os yazidis”, disseram a Rita, colocando as mulheres e jovens cristãs e yasidis – outra minoria religiosa existente no Iraque – no mesmo grupo de pessoas sem direitos, de quase objectos que se podem transacionar.
Foi o que lhe aconteceu. Em pleno século XXI, perante a indiferença do mundo, Rita e tantas outras mulheres foram vendidas como escravas.
A sua história, escrita com lágrimas, é um dos elementos de prova do relatório da Fundação AIS – “Oiçam os gritos delas” – sobre o rapto, a conversão forçada e a violência contra mulheres e raparigas cristãs. Ignorar o testemunho de Rita Habib e de todas as outras vítimas de perseguição, intolerância e violência, significa condená-las uma segunda vez à mais abominável crueldade que se pode imaginar.
Rita foi comprada pela primeira vez por um iraquiano de Mossul e permaneceu com ele durante um ano e meio. Depois foi comprada por um saudita, um homem casado com uma marroquina, que infernizou ainda mais a sua vida. Era a escrava da casa. Deixou de ter nome. Passou a ser a “abed”, a escrava, ou “kafir”, a infiel.
Depois mudou ainda de dono. Foi comprada por um sírio numa localidade na fronteira entre o Iraque e a Síria. Estava a viver nessa aldeia quando elementos da Fundação Shlama, um grupo financiado pela diáspora assíria e caldeia, se fizeram passar por jihadistas para conseguirem comprar a sua liberdade.
A história de Rita é apenas um exemplo do extenso ‘dossier’ produzido pela Fundação AIS em que se procura denunciar a situação dramática em que se encontram raparigas e mulheres cristãs em várias regiões do globo, vítimas de perseguição, violência sexual, rapto e conversões forçadas.
Rita Habib foi escravizada, vendida, agredida, violada. O seu testemunho é um grito de denúncia e de revolta que mostra ao mundo uma face oculta da perseguição contra as minorias religiosas. Não podemos ficar indiferentes a estas histórias.
Paulo Aido

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