“Uma tragédia anunciada” | HS #454 | 02JUL23

“Explosão de violência.” É assim que no mais recente Relatório da Liberdade Religiosa no Mundo, publicado pela Fundação AIS esta semana, se refere ao que ocorreu em África ao longo dos últimos dois anos. Devido à expansão da actividade jihadista, o continente africano tem vindo a transformar-se num dos lugares mais perigosos para os Cristãos. Durante o período em análise – 2021 e 2022 – em 21 dos 54 países de África, registaram-se níveis perigosos ou mesmo extremos de perseguição e discriminação. Mali, Nigéria, Líbia, Moçambique, República Democrática do Congo, Eritreia, Burquina Fasso e Sudão são alguns dos países que lideram esta lista negra. Mas, infelizmente, a violência contra as comunidades religiosas é comum a muitas outras regiões e a muitos outros países. A China e a Índia, ambos na Ásia e os dois países mais populosos do mundo, são também uma fonte de preocupação, tal como a Nicarágua, no continente americano, onde a Igreja Católica tem vindo a ser perseguida de forma violenta pelas autoridades do país. Os exemplos abundam e os números não permitem segundas leituras. O Relatório, que a Fundação AIS edita de dois em dois anos, mostra que as minorias são cada vez mais reprimidas e são cada vez mais as situações, os pretextos para isso acontecer. Desde ataques terroristas, com uma frequência alarmante em África, à implementação de leis anti-conversão na Ásia, à vigilância em massa na China, com recurso, por exemplo, a câmaras de recolha de imagem com tecnologia de ponta, são muitos os instrumentos usados para a repressão das comunidades religiosas. A violência mede-se também no número de países, 40, em que há registo, desde 2021, de pessoas que são assassinadas ou raptadas por causa da sua fé. E mede-se também na constatação de que, na maioria destes casos, “os agressores raramente ou nunca são processados pelo sistema judicial”.
Em 34 países registaram-se também ataques a locais de culto ou propriedades religiosas. Mas quem são os agressores? Quem está por trás da esmagadora maioria dos ataques, da violência que atinge tantas pessoas, tantas comunidades religiosas no mundo? O extremismo islâmico e os governos autoritários lideram esta lista, representando, no conjunto, 70 países. Há uma frase que sobressai nas conclusões: “a impunidade aumentou”. Isto significa que os casos de raptos, de violência sexual, incluindo a escravatura sexual e a conversão forçada, continuaram a verificar-se e permanecem em grande parte fora da jurisdição dos tribunais. Mas há também a ascensão dos “califados oportunistas”, em que grupos radicais islâmicos ligados a redes internacionais da ‘jihad’ procuram submeter as populações aos seus reinos de terror, alimentando a pilhagem de recursos naturais e forçando os povos locais a uma vida de medo e de pobreza. O sentimento de impunidade que toda esta violência tem gerado é também um sinal de preocupação. Marcela Szymanski, editora-chefe do Relatório, afirma-o de forma clara. “Existem 61 países onde a discriminação e a perseguição são claramente evidentes, onde o direito fundamental à liberdade de pensamento, de consciência e de religião está a ser pressionado ou restringido através de novas leis. Como consequência, os cidadãos são perseguidos pelo seu próprio governo ou são assassinados, muitas vezes com pouca ou nenhuma reacção da comunidade internacional.” Este silêncio cúmplice diz também muito da forma como o mundo tem lidado com estas questões, como se a perseguição religiosa não fosse um atropelo aos direitos humanos mais básicos.

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