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27 / Terminator: a inevitabilidade do futuro de James Cameron / Março 2020

Certo dia, num quarto de hotel de hotel em Roma, sentindo-se sozinho e fora do seu elemento, James Cameron ficou doente e teve um pesadelo sobre um torso metálico arrastando-se para fora de uma explosão enquanto segurava facas de cozinha. Este cenário sonhado foi a génese de O Exterminador Implacável. A partir desta imagem, com contribuições do amigo William Wisher, Jr. e da produtora Gale Anne Hurd, que acabaria creditada como co-argumentista, construiu uma história sobre um ciborgue humanóide aparentemente indestrutível que viaja no tempo — desde 2029 até 1984 — para assassinar uma empregada de mesa, Sarah Connor, cujo filho John, ainda não nascido, liderará a humanidade numa guerra contra as máquinas. A reviravolta de génio reside no irresolúvel paradoxo temporal introduzido pelo envio de Kyle Reese, um soldado dessa guerra futura, com o intuito de proteger Sarah do exterminador implacável a todo custo, que acaba por ser o pai de John. O eterno dilema do ovo e da galinha que, em vez de se encerrar em si próprio, abre as portas a infindáveis possibilidades.

O Exterminador Implacável, estreado em 1984, veio a revelar-se como um título charneira do terror e da ficção científica. Não só inscreveu uma variedade de conceitos na cultura popular, tais como a ideia de organismos cibernéticos ou a ameaça da singularidade — o momento em que a inteligência artificial superará a inteligência humana, alterando radicalmente a civilização —, como se tornou uma referência incontornável da década de oitenta, firmando o estrelato de Arnold Schwarzenegger. O actor austríaco tem uma presença física inegável e a sua interpretação robótica, muitas vezes menosprezada, é um elemento crucial para a eficiência das assustadoras cenas de perseguição, criando uma sensação de implacabilidade bem traduzida no título em português. Além disso, linhas de diálogo como “I’ll be back!” tornaram-se parte do léxico cinéfilo (e não só), comprovando o impacto cultural de um pequeno filme de género. 

Em 1991, Cameron realizou uma sequela, Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento, expandindo o universo do original e superando-o em escala e ambição. T2, como ficou conhecido, foi um sucesso monumental de público e crítica, e foi um passo de gigante no que respeita à utilização de efeitos digitais no cinema na criação do antagonista T-1000, um metamórfico de metal líquido. Menos enraizado no género de terror e mais preocupado com temáticas de livre-arbítrio e predestinação, é, no entanto, um complemento perfeito ao filme anterior, com o qual forma um díptico de perfeita mitologia de ficção científica. Mas quis o destino que a história não acabasse aqui, e, entre 2003 e 2017, fomos presenteados com mais uma série televisiva e quatro sequelas que, alimentadas pelas possibilidades abertas pelo conceito de viagem no tempo e pelos resultados de bilheteira abaixo das expectativas, escreveram e reescreveram o rumo da série, trilhando um sortido de realidades alternativas, tanto fora como dentro do ecrã. 

Se a série televisiva, Terminator: As Crónicas de Sarah Connor (2008-2009), se focou em temas religiosos e humanistas, cada título adicional para cinema, à procura de reproduzir a magia dos dois primeiros filmes, foi reflectindo a realidade do momento, adaptando as preocupações temáticas originais em função da constante evolução tecnológica e social, não obstante o medo nuclear como catalisador central da ameaça apocalíptica. Em 2003, num mundo cada vez mais ligado em rede, Exterminador Implacável 3 – Ascensão das Máquinas introduziu o conceito de vírus informáticos como ameaça aos servidores de defesa militar. Depois da tentativa, em 2009, de ancorar a saga no futuro devastado em Exterminador Implacável – A Salvação, piscando o olho a questões de identidade e humanidade bem caras ao género, seis anos mais tarde, alimentado por uma corrente de soft reboots e legacy sequels, Exterminador: Genisys descentralizou a ameaça dos servidores de defesa estatal para os omnipresentes telemóveis e tablets com os quais convivemos diariamente, criando um vilão cibernético mais insidioso e, potencialmente, mais perigoso. Finalmente, com a nova viragem de rumo em 2019, Exterminador Implacável – Destino Sombrio mostrou-se mais preocupado com o actual panorama político, económico e social, ao reinventar a ascensão do inimigo como a consequência de uma guerra cibernética, e ao depositar a esperança para a humanidade numa mexicana a viver além do infame muro que separa o México dos Estados Unidos da América.

Muitos gostariam de viajar no tempo e impedir que mais sequelas houvessem depois de T2. Infelizmente, não podemos mudar o passado, apenas esperar o melhor daqui em diante. O que será que o futuro nos reserva? Só o destino o dirá. E este, como diria Sarah Connor, está nas nossas mãos. Ou melhor, nas mãos dos executivos de Hollywood que não aprendem com os erros e parecem fadados a repeti-los.

António Araújo, Fevereiro de 2020.

Fontes primáriasCinema

O Exterminador Implacável (The Terminator, James Cameron, 1984);

Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento (Terminator 2: Judgment Day, James Cameron, 1991);

Exterminador Implacável 3 – Ascensão das Máquinas (Terminator 3: Rise of the Machines, Jonathan Mostow, 2003);

Exterminador Implacável – A Salvação (Terminator Salvation, McG, 2009);

Exterminador: Genisys (Terminator Genisys, Alan Taylor, 2015);

Exterminador Implacável – Destino Sombrio (Terminator: Dark Fate, Tim Miller, 2019).Televisão

Terminator: As Crónicas de Sarah Connor (Terminator: The Sarah Connor Chronicles, Josh Friedman, 2008-2009).

Outras referênciasBibliografia

Stirling, S. M. (2001) T2: Infiltrator. Nova Iorque: HarperEntertainment;

Stirling, S. M. (2003) T2: Rising Storm. Nova Iorque: HarperEntertainment;

Stirling, S. M. (2004) T2: The Future War. Nova Iorque: HarperEntertainment.Televisão

Soldier (Episódio de The Outer Limits escrito por Harlan Ellison, 1964).Banda desenhada

Inúmeras publicações.Videojogos

Inúmeros jogos.

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