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17 / O mundo dos dinossauros de Spielberg / Maio 2019

Em 1993, o infame Tyrannosaurus rex ainda parecia pertencer apenas aos livros de paleontologia, uma ciência esquecida pelo público, cujos livros se encontravam em prateleiras poeirentas do departamento de uma faculdade ou nas estantes esquecidas das bibliotecas e das livrarias. Mas isso estava prestes a mudar. Steven Spielberg, já um icónico cineasta, responsável por sucessos como a saga Indiana Jones (já aqui abordada neste podcast), O Tubarão (1975), Encontros Imediatos do 3º Grau (1977), ou E.T. – O Extra-Terrestre (1982) estava prestes a introduzir um filme que iria marcar não só futuras gerações, mas toda a uma ciência. Falo de Parque Jurássico (1993). Baseado no livro homónimo de Michael Crichton de 1990, conta-nos a história de um excêntrico industrialista, John Hammond (Richard Attenborough), que através da sua empresa de bioengenharia, InGen, arquitecta um parque temático contendo dinossauros clonados (a partir do seu ADN, extraído de mosquitos preservados em âmbar e ADN de rãs para preencher as falhas no seu genoma) e plantas pré-históricas chamado Parque Jurássico, na Isla Nublar, uma ilha da Costa Rica. Após um incidente com um dos dinossauros, a comissão de gestão do parque torna-se inquieta sobre a sua segurança e decidem contratar um grupo de especialistas para a analizar: um paleontólogo, Dr. Alan Grant (Sam Neill), uma paleobotânica, Dr. Ellie Sattler (Laura Dern) e um matemático e teórico do caos, Ian Malcolm (Jeff Goldblum). Durante a visita, o parque sofre uma quebra de energia levando a que os dinossauros se libertem, colocando o grupo e a viabilidade do parque em perigo.    

O filme marca não só um avanço fenomenal no mundo dos efeitos especiais, mas também uma nova abordagem aos filmes científicos. Através do uso de conhecimentos científicos e descobertas da época, Spielberg propõe uma viagem visual até ao centro da paleontologia e da genética, mostrando um casamento entre as duas. Realisticamente, mesmo hoje em dia, a possibilidade de clonar espécies extintas ainda se coloca como distante, pois sabe-se que seria necessário o genoma completo e não apenas uma porção, como nos é apresentado, e ninguém encontrou isso. Existem ainda outras questões que impossibilitam esse acto e ainda surgem questões éticas relacionadas, mas isso encontra-se para lá do ponto do filme, que é um exercício de fantasia. Mas não esqueçamos o facto que o filme é de 1993. Nessa altura, conhecimentos comuns como o facto de que quase todos (se não mesmo todos) os dinossauros tinham algum tipo de penas era completamente desconhecido para a comunidade científica, que viria a descobrir isso apenas nos finais da década de 90. Mostra que houve uma preocupação científica com a representação dos dinossauros, com base nos avanços da altura. Talvez a única questão com a qual podemos implicar prende-se com o nome do próprio filme, Jurássico. A vasta maioria dos seres que vemos pertence ao período Cretáceo: Tyrannosaurus rex, Velociraptor, Triceratops. Mas Parque Cretáceo seria um nome menos interessante para um filme e para uma futura saga.

O sucesso foi tão grande que se seguiram mais duas sequelas num período inferior a 10 anos, O Mundo Perdido: Jurassic Park (1997) e Parque Jurássico III (2001). Jogos de computador e livros também viram a luz do dia, e alguns o sucesso comercial. Ambos os filmes decorrem anos depois do acidente na Isla Nublar. A acção de OMundo Perdido desenvolve-se, no entanto, numa ilha gémea, a Isla Sorna quatro anos depois e apresenta-nos o local de criação original dos dinossauros antes de serem levados para a Isla Nublar. O Parque Jurássico III volta à ilha original e revela ser uma missão de salvamento. É, no entanto, neste filme que vemos mais e novas espécies de dinossauros e zonas inéditas do antigo parque. Ambos os filmes vivem da glória do primeiro e revisitam os mesmos temas: como a ganância e o capitalismo podem facilmente destruir os valores humanos, colocando em risco o nosso bem-estar; ou como a procura pelo conhecimento e progresso deve ser cuidadosamente equilibrada com a ponderação da razão e do bom senso. Tal como John Hammond repete múltiplas vezes “Não poupei a despesas”, os filmes parecem querer deixar como mensagem que devemos, por vezes, poupar não só a despesas, mas também deixar as coisas como estão, porque mesmo quando tudo parece estar sob o nosso controlo a “vida encontra um caminho”, como enunciado pelo Dr. Malcolm. Existe ainda uma outra triste realidade representada nos filmes e espelhada na vida real: a de que as investigações científicas não produzem riqueza e portanto sofrem com os seus apoios. 

Num universo ensurdecido de reboots e remakes, esta trilogia não ficou fora e em 2015 vemos a sua nova iteração, Mundo Jurássico (2015). Com Colin Trevorrow ao leme (já o Parque Jurássico III tinha tido outro realizador, Joe Johnston) e uma nova equipa de personagens, a acção desenrola-se num novo parque construído sobre o anterior, anos depois da tragédia original. Vítima das exigências do público actual, o filme tinha que apresentar mais e maior, e portanto temos pela primeira vez dinossauros geneticamente desenhados a partir da confluência de várias espécies. Neste filme a sua estrela é o Indominus rex. Este novo dinossauro de inteligência e capacidades físicas superiores consegue escapar ameaçando, uma vez mais, a segurança do parque. 

Enquanto que o filme original se preocupou com a ciência do seu filme e com a representação dos dinossauros, este parece querer ignorar as descobertas feitas nessa área e vive de uma nostalgia e saudosismo de um certo imaginário, sacrificando aquilo que poderia ter sido um passo na direção certa de manter a ciência no cinema. No entanto, o sucesso comercial provou-se certeiro e uma sequela foi rapidamente anunciada estreando pouco tempo depois, Mundo Jurássico: Reino Caído (2018). Também um novo dinossauro geneticamente modificado tem aqui a sua estreia, o Indoraptor. Enquanto que o primeiro filme desta nova vaga parece querer recriar a estrutura narrativa do original, este está mais próximo d´O Mundo Perdido. Com contornos temáticos mais contemporâneos, desde a transformação dos dinossauros em máquinas de guerra, à política mundial e aos jogos de poder entre instituições, este filme deixa cair, por completo, a presença da ciência (e o estudo das suas implicações) como personagem e substitui-a pela necessidade de fazer avançar a narrativa, com o uso exclusivo de cenas de acção, refugiando-se nos arquétipos actuais de um filme de acção. Talvez o mesmo também possa ser dito para o Mundo Jurássico. 

Não obstante o afastamento das intenções dos primeiros filmes, o futuro desta saga continua vivo, pois foi já anunciado um terceiro filme deste Mundo Jurássico, a estrear em 2021. E independentemente da contribuição destes novos filmes para a ciência e para a paleontologia em particular, o trabalho desenvolvido desde o original fez reanimar todo um campo científico das prateleiras quase mortas em que se encontrava. Falo, por mim, quando digo que cresci com a geração Parque Jurássico, com os livros e figuras de dinossauros que marcaram várias gerações, a crescer desde os anos 90. Marcados não apenas por um universo ficcional e cinematográfico, mas também — e se calhar mais importante — por uma ciência que influenciou, certamente, muitas carreiras, contribuindo para a revitalização do campo e para o progresso científico, algo que o Spielberg faz recorrentemente e de forma quase sempre surpreendente. 

Tomás Agostinho, Maio 2019. 

Fontes primárias

Livros

Crichton, Michael (1990) Jurassic Park. New York, NY: Random House USA Inc;

Crichton, Michael (1995) The Lost World. New York, NY: Random House USA Inc.

Livros Juvenis

Ciencin, Scott (2001) Jurassic Park Adventures: Survivor. New York, NY: Random House Books;

Ciencin, Scott (2001) Jurassic Park Adventures: Prey. New York, NY: Random House Books;

Ciencin, Scott (2002) Jurassic Park Adventures: Flyers. New York, NY: Random House Books;

Sharpe, Tess (2018) Jurassic World: The Evolution of Claire. New York, NY: Random House Books.

Cinema

Parque Jurássico (Jurassic Park, Steven Spielberg, 1993): realização; 

O Mundo Perdido: Jurassic Park (The Lost World: Jurassic Park, Steven Spielberg, 1997): realização;

Parque Jurássico III (Jurassic Park III, Joe Johnston, 2001);

Mundo Jurássico (Jurassic World, Colin Trevorrow, 2015);

Mundo Jurássico: Reino Caído (Jurassic World: Fallen Kingdom, J.A. Bayona, 2018).

Curtas-metragens LEGO

Lego Jurassic World: The Indominus Escape (2016);

Lego Jurassic World: Employee Safety Video (2016);

Lego Jurassic World: Rescue Blue/Escape of Indoraptor (2018);

Lego Jurassic World: The Secret Exhibit (2018).

Série LEGO (anunciada)

Lego Jurassic World: Legend of Isla Nublar (2019).

Parque Temático

Jurassic Park: The Ride (Universal Studios, Orlando, FL).

Fontes secundárias

Livros

Doyle, Arthur Conan (1912/2008) The Lost World. Oxford, UK: Oxford University

Verne, Jules (1864/2010) Journey to the Centre of the Earth. Oxford, UK: Oxford University Press. 

Séries de aventuras “Pellucidar” e “Caspak” de Edgar Rice Burroughs

Iniciada em 1914 com “At Earths Core”;

Iniciada em 1918 com “The Land Time Forgot”.

Cinema

O Mundo Perdido (The Lost World, Harry Hoyt, 1925);

King Kong (Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, 1933);

Um Milhão de Anos Antes de Cristo (One Million B.C., Hal Roach, Hal Roach Jr., 1940);

Continente Perdido (Lost Continent, Sam Newfield, 1951);

O Monstro do Oceano Pacífico (Gojira, Ishiro Honda, 1954);

The Beast of Hollow Mountain (Edward Nassour, Ismael RodrÌguez, 1956);

The Land Unknown (Virgil W. Voger, 1957);

O Mundo Perdido (The Lost World, Irwin Allen, 1960);

Quando o Mundo Nasceu (One Million Years B.C., Don Chaffey, 1966).

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