As primeiras memórias são sempre muito impactantes. Muitas vezes, são as que nos perseguem mais ao longo da vida. Também é assim com o Bispo Vasylij. Logo no primeiro dia da invasão das tropas russas, a 26 de Fevereiro, ele acordou com o estrondo das explosões das primeiras bombas que caíram sobre a cidade de Kharkiv. Acordou no meio de um pesadelo que ainda não terminou e que, agora, com o aproximar do Inverno, pode vir a revelar-se ainda muito doloroso. Nesse primeiro dia, nessa primeira madrugada da guerra, D. Vasylij Tuchapets decidiu que precisava de ir para a catedral para aí organizar os primeiros socorros, para aí acudir às primeiras pessoas que pedissem ajuda. Pelo caminho viu o pânico estampado nos rostos dos que procuravam fugir levando malas feitas à pressa, rumo à estação de comboios. Havia longas filas de carros também. A cidade parecia que estava a esvaziar-se. Todos queriam sair dali. Mas muitos ficaram, por serem muito pobres, por estarem doentes, por serem idosos, por não quererem abandonar as suas casas, as suas coisas, os seus animais. Muitos ficaram e o Bispo decidiu também que todos os padres iriam ficar nas suas paróquias, como soldados da paz que não abandonam os seus postos.
Em conversa com a Fundação AIS Internacional, D. Vasylij diz que esta foi uma decisão certa, que foi a única decisão que poderia ter sido tomada. E desde então tem recebido sinais de apreço por parte das pessoas, dos fiéis, dos habitantes de Kharkiv que nunca deixaram de se sentir confortados sabendo da presença, nas igrejas, nas paróquias, dos padres, das irmãs, dos responsáveis pelo trabalho assistencial. Uma noite após uma Missa, quando deixava a catedral, o Bispo foi abordado por um grupo de jovens que nunca tinha visto por ali. O que escutou dificilmente esquecerá. “Obrigado por ter ficado connosco”, disseram os jovens. Foi mais do que um agradecimento. Foi o reconhecimento pela coragem, pela disponibilidade no serviço aos outros, pela ousadia de quem, ao ficar numa cidade em guerra, está também a fintar o medo, a esconjurar todos os medos. “Se um padre foge, todos perdem”, diz o Bispo, em jeito de explicação. E agora, todos os padres vão ser mais precisos do que nunca. A Diocese de Kharkiv só foi criada em 2014, está espalhada por 84.000 km2 – quase o tamanho de Portugal –, e inclui as regiões de Kharkiv, Poltava e Sumy, com uma população de mais de cinco milhões de habitantes. Agora, com a chegada do Inverno e com a guerra a ganhar nova intensidade, vai ser necessário redobrar a ajuda às populações. Muitas casas ficaram danificadas ou mesmo destruídas com os bombardeamentos e agora é preciso assegurar que as pessoas conseguem estar minimamente aquecidas. Não será fácil. As prioridades são muitas. São necessárias roupas quentes, medicamentos, comida… O Inverno rigoroso da Ucrânia pode transformar-se num verdadeiro inferno… “Precisamos de ajuda para as pessoas e estas necessidades vão continuar por muito tempo”, alerta o Bispo.