Continuamos em isolamento, e com a distância social prosseguem também os desafios de gravação à distância. Mais uma vez, a qualidade do som não está à altura do que desejávamos, porém acreditamos que a conversa é interessante o suficiente para mitigar qualquer imperfeição sonora. Prometemos continuar a procurar melhorar a cada gravação até que a normalidade seja restabelecida.
Em 1897, o irlandês Abraham ‘Bram’ Stoker publicou aquele que viria a ser o seu mais famoso livro. Drácula, de seu nome, era um romance na veia gótica do século XIX, que explorava o mito do vampirismo, numa história epistolar de suspense, horror e aventura, passada, em parte, na Inglaterra vitoriana.
Stoker, um funcionário público, na cinzenta Dublin, que escrevia críticas de teatro por hobby, veio a conhecer o famoso actor inglês Henry Irving, o qual o contratou como agente. Desse modo, Stoker mudou-se para Londres, e viajou pela Europa, tomando contacto com o folclore que lhe inspiraria a história de vampiros. Estas faziam já parte da literatura britânica, desde a célebre noite de tempestade de 1816 nas margens de um lago suíço – da qual saiu um fragmento de Lord Byron e o conto de John Polidori, The Vampyre: A Tale (1819) –, até ao popular Varney, The Vampire de James Malcolm Rymer (publicado entre 1845 e 1847) e à novela Carmila de J. Sheridan Le Fanu (1872).
Durante cerca de sete anos, Bram Stoker estudou as origens de crenças populares e mitos de vampirismo, descobrindo que este culto do sangue e das suas propriedades mágicas pode ir do antigo Médio Oriente (Lilith) à Índia (Khali), do México azteca ao extremo oriente. Mas foi principalmente o Leste europeu que o inspirou, com registos de histórias de cemitérios profanados, por pessoas que – quando males inexplicáveis assolavam uma aldeia – procuravam nas campas sinais de que algum corpo não descansava devidamente, e voltava à noite para trazer a doença e a morte.
Lendo sobre esses relatos, e compilando as características atribuídas e estes seres fantásticos, Stoker criou um compêndio que se tornou a pedra basilar para todas as obras futuras sobre vampiros. Mas ao invés de criar uma história sobre mitos antigos, Stoker, renovou-a, e trouxe o seu personagem titular – um conde ancestral, culto, e de boas maneiras – da longínqua Transilvânia para a moderna e industrial Inglaterra do seu tempo, confrontando antiguidade e modernidade, mito e ciência, Oriente e Ocidente.
Numa Inglaterra, ainda puritana, que vivia o sensacionalismo de Jack o Estripador, lia avidamente Sherlock Holmes, e se espantava com todos os avanços científicos recentes, Drácula foi recebido com entusiasmo, tornando-se um clássico imediato. Tal sucesso passou fronteiras, e a prova é a adaptação ao cinema, em 1922, por F. W. Murnau, no filme Nosferatu, O Vampiro, um clássico do expressionismo alemão, que acabou proibido pelos herdeiros de Stoker.
Mais sorte teve Hamilton Deane, que adaptou a obra ao teatro, nos Estados Unidos, onde teve carreira brilhante na Broadway. Tal fez com que Hollywood cobiçasse o tema, e a Universal – então a lançar-se no cinema de terror – adaptou a peça ao cinema, em 1931, lançando a figura do mesmo actor que vestira a capa de Drácula em palco, o húngaro Bela Lugosi. Nada mais seria como dantes, Drácula passava a aristocrata sofisticado, de capa preta e olhar hipnótico, figura que a Universal exploraria em mais cinco filmes (seis, se contarmos a versão espanhola do filme de 1932), com Lon Chaney Jr. e John Carradine também a vestirem a capa, mas a qualidade a decrescer, numa tendência de repetir clichés e de lançar monstros como atracções de feira.
Com os filmes de vampiros, e de Drácula (nem sempre nomeado como tal por razões legais), a proliferarem, é em 1958 que o personagem ganha novo ímpeto, quando a inglesa Hammer estreia O Horror de Drácula, protagonizado por Christopher Lee. Toda uma nova geração via agora sangue vermelho, dentes pontiagudos, e olhos raiados de sangue, na figura imponente e ameaçadora de Lee, que entraria em várias sequelas até 1973.
Desde então o príncipe dos vampiros nunca mais nos deixou, continuando a ser readaptado, seja no vampiro negro de William Marshall em O Vampiro Negro (1972), no romântico sedutor de Frank Langella em Drácula (1979), ou na bizarra figura quase inumana de Klaus Kinsky no remakeNosferatu, O Fantasma da Noite (1979). Talvez hoje a sua forma mais conhecida seja a trazida por Francis Ford Coppola no luxuoso e muito barroco filme Drácula de Bram Stoker (1992), que assumiu o papel de contar pela primeira vez a história tal como vem no livro.
Desde o final do século XX assistiu-se a uma grande popularidade do género no cinema e na televisão, com vampiros de todas as formas e feitios (que é como quem diz, de todas as intenções e graus de malvadez), em géneros que vão da comédia ao romance, da aventura ao terror. Com tantos vampiros de proveniências e comportamentos tão variados, espanta quase que o “velhinho” Drácula ainda seja recuperado de tempos a tempos. Mas ele aí continua, como marco intemporal, e símbolo da cultura ocidental, nem que seja para leituras revisionistas de que o mais recente exemplo é a minissérie de 2020 Drácula, criada por Mark Gatiss e Steven Moffat.
José Carlos Maltez, Maio de 2020.
Fontes primáriasBibliografia
Stoker, Bram (1897) Drácula. London: Archibald Constable and Company
Stoker, Bram (1914) Dracula’s Guest in Dracula’s Guest and Other Weird Stories. Abingdon-on-Thames: George Routledge and SonsCinema (filmografia seleccionada)
Nosferatu, O Vampiro (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens, F. W. Murnau, 1922)
Drácula (Dracula, Tod Browning, 1931)
Drácula (Dracula, George Melford, 1932) – (versão espanhola do original)
Vampiro Humano (Dracula’s Daughter Lambert Hillyer, 1936)
O Filho de Drácula (Son of Dracula, Robert Siodmak, 1943)
O Regresso do Vampiro (The Return of the Vampire, Lew Landers, 1944)
A Casa de Frankenstein (House of Frankenstein, Erle C. Kenton, 1944)
O Castelo de Drácula (House of Dracula, Erle C. Kenton, 1945)
Abbott e Costello e os Monstros (Abbott and Costello Meet Frankenstein, Charles T. Barton, 1948)
O Horror de Drácula (Dracula, Terence Fisher, 1958)
As Noivas de Drácula (Brides of Dracula, Terence Fisher, 1960)
Drácula, Príncipe das Trevas (Dracula: Prince of Darkness, Terence Fisher, 1966)
O Sinal de Drácula (Dracula Has Risen from the Grave, Freddie Francis, 1968)
Provem o Sangue de Drácula Taste the Blood of Dracula, Peter Sasdy, 1970)
As Cicatrizes de Drácula (Scars of Dracula, Roy Ward Baker, 1970)
Drácula, O Príncipe das Trevas (Count Dracula, Jesús Franco, 1970)
Drácula 72 (Dracula A.D. 1972, Alan Gibson, 1972)
O Vampiro Negro (Blacula, William Crain, 1972)
Drácula tem Sede de Sangue (The Satanic Rites of Dracula, Alan Gibson, 1973)
Sangue Virgem para Drácula (Blood For Dracula Paul Morrissey, 1974)
Drácula (Dracula John Badham, 1979)
Nosferatu, o Fantasma da Noite (Nosferatu: Phantom der Nacht, Werner Herzog, 1979)
Drácula de Bram Stoker (Bram Stoker’s Dracula, Francis Ford Coppola, 1992)
Dracula: Pages From a Virgin’s Diary (Guy Maddin, 2002)
Dracula 3D (Dario Argento, 2012)
Drácula: A História Desconhecida: (Dracula Untold, Gary Shore, 2014)Televisão (filmografia seleccionada)
Dracula (Dan Curtis, 1974) [telefilme]
Count Dracula (Philip Saville, 1977) [telefilme]
Dracula (Universal Television, Cole Haddon, 2013–2014) [10 eps.]
Dracula (BBC, Mark Gatiss, Steven Moffat, 2020) [3 eps.]Teatro (selecção)
Dracula (Hamilton Deane, 1924)
Dracula (1977)
Dracula (John Godber & Jane Thornton, 1995)
Outras referênciasLiteratura pré-Drácula
Lord Byron (1813) The Giaour (poema)
Lord Byron (1918) Fragment of a Novel (fragmento)
Polidori, John (1819) The Vampyre: A Tale (conto)
Nodier, Charles (1820) Lord Ruthwen ou les Vampires
Tolstoi, Alexis (1941) The Family of the Vourdalak
Tolstoi, Alexis (1941) The Vampire
Rymer, James Malcolm (1845–1847) Varney, The Vampire
Féval, Paul (1860) Le Chevalier Ténèbre
Féval, Paul (1865) La Ville Vampire
De Maupassant, Guy (1886) The Horla (conto)
Le Fanu, J. Sheridan (1872) Carmila
Wachenhusen, Hans (1878) Der Vampyr – Novelle aus Bulgarien
Nizet, Marie (1879) Le Capitaine Vampire
Braddon, Mary Elizabeth (1896) Good Lady Ducayne (conto)Televisão (selecção)
Dark Shadows (ABC, Dan Curtis, 1966-1971)
True Blood (HBO, Alan Ball, 2008-2014)
Being Human (BBC Three, Toby Whithouse, 2008-2013)
The Vampire Diaries (The CW, Kevin Williamson & Julie Plec, 2009-2017)
The Strain (FX, Guillermo del Toro, Chuck Hogan, 2014-2017)Cinema
Contam-se mais de duas centenas de filmes sobre vampiros