Em 1953 o escritor, e antigo espião britânico, Ian Fleming publicava Casino Royale, o primeiro romance onde apresentava um novo herói de espionagem, Bond, James Bond, de nome código 007, um ex-comandante da Marinha (como o próprio Fleming), que desde logo se destacava pelo seu estilo de uma pomposidade arrogante, onde o seu charme e disponibilidade sexual se equiparavam à intrepidez e aventureirismo.
Esta romantização da vida de um agente secreto agradou de imediato ao público, e os livros seguiram-se, na constante produção de uma publicação por ano, com Fleming a escrever no seu anual retiro de férias nas Bahamas – denominado Golden Eye – para nos dar uma espécie de alter-ego que vivia no papel as histórias que o agente Fleming nunca vivera na vida real, feitas de viagens, destinos exóticos, aventura excitante, jogos nos meandros da alta-sociedade e, claro, muitas escaldantes aventuras com o sexo oposto.
Diz-se, muito a propósito, que Ian Fleming escrevia a imaginar a transposição das suas histórias para o grande ecrã. É por isso compreensível que rapidamente tenha aceitado tal passagem de formato, e mais ainda que tenha saído decepcionado quando o resultado foi um telefilme de fracos meios, com um agente americanizado para satisfazer o público. O resultado: Casino Royale (1954), teria duas consequências, a perda dos direitos do romance homónimo, e a desconfiança de Fleming quanto ao cinema. Mas maiores reveses seriam o progressivo afastamento da crítica (que considerava a obra superficial, arrogante e pejada de sexo e violência), e o imbróglio em que se tornou a luta pelos direitos do livro Thunderball (1961), nascido a partir de um argumento escrito a meias com Kevin McClory, e que este viria a conseguir em tribunal.
Não obstante, dois produtores de cinema estavam convencidos de que as histórias de Fleming tinham nascido para mudar a história do cinema. Eles eram Albert S. Broccoli e Harry Saltzman, o primeiro com o dinheiro para a produzir os filmes, mas sem convencer Fleming a ceder-lhe os direitos, o segundo comprando os direitos da adaptação dos livros, mas sem dinheiro para prosseguir. Do encontro dos dois homens nasceu uma grande amizade e uma companhia, a EON (Everything Or Nothing) Productions, votada exclusivamente a trazer James Bond para o grande ecrã.
Com o apoio da United Artists, e a escolha do desconhecido Sean Connery para protagonista, Agente Secreto 007 (Dr. No) foi o primeiro filme de uma série que iria firmar créditos com uma produção contínua, uma imagem de marca inconfundível, e uma equipa que se tornaria uma família coesa nos anos seguintes.
Hoje, todos conhecemos a famosa sequência de abertura, as músicas, os clichés como a apresentação de Bond, as suas tiradas insinuantes para com as mulheres, o seu modo de pedir vodka Martini, os carros, os gadgets, e claro as Bond girls, caso único no cinema de uma forma de categorizar actrizes, só porque aparecem em determinados filmes. Seja pelos designs futuristas de Ken Adam, pela música bombástica de John Barry, pelos sensuais genéricos de abertura de Maurice Binder, e claro pelas histórias românticas cheias de proezas físicas, em que salva o mundo de super-vilões maquiavélicos, 007 passou ao imaginário colectivo, tendo chegado a ser citado por líderes mundiais como John Kennedy ou Ronald Reagan.
Mesmo com o passar dos tempos, alguma mudança de tom e de actores – com George Lazenby a dar-nos um Bond diferente em 007 – Ao Serviço de Sua Majestade (On Her Majesty’s Secret Service, 1969), para ser logo substituído por Connery, e com Roger Moore desde 1971 a 1985 a trazer ao papel uma maior leveza e porte aristocrático –, os filmes sucedem-se, e marcam quer o cinema de acção quer o público que sabe bem o que distingue um filme de James Bond de qualquer outro.
E a história continua para lá de Roger Moore e de 1985, mas isso será tema para o segundo episódio.
José Carlos Maltez, Janeiro de 2020.
Fontes primárias
Cinema
Agente Secreto 007 (Dr. No, Terence Young, 1962)
007 – Ordem para Matar (From Russia with Love, Terence Young, 1963)
007 – Contra Goldfinger (Goldfinger, Guy Hamilton, 1964)
007 – Operação Relâmpago (Thunderball, Terence Young, 1965)
007 – Só Se Vive Duas Vezes (You Only Live Twice, Lewis Gilbert, 1967)
007 – Ao Serviço de Sua Majestade (On Her Majesty’s Secret Service, Peter R. Hunt, 1969)
007 – Os Diamantes São Eternos (Diamonds Are Forever, Guy Hamilton, 1971)
007 – Vive e Deixa Morrer (Live and Let Die, Guy Hamilton, 1973)
007 e o Homem da Pistola Dourada (The Man with the Golden Gun, Guy Hamilton, 1974)
007 – Agente Irresistível (The Spy Who Loved Me, Lewis Gilbert, 1977)
007 – Aventura no Espaço (Moonraker, Lewis Gilbert, 1979)
007 – Missão Ultra-Secreta (For Your Eyes Only, John Glen, 1981)
007 – Operação Tentáculo (Octopussy, John Glen, 1983)
007 – Alvo em Movimento (A View to a Kill, John Glen, 1985)
Bibliografia
Fleming, Ian (1953) Casino Royale. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1954) Live and Let Die. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1955) Moonraker. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1956) Diamonds Are Forever. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1957) From Russia, with Love. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1958) Dr. No. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1959) Goldfinger. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1960) For Your Eyes Only. London: Jonathan Cape. [compilação de contos]
Fleming, Ian (1961) Thunderball. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1962) The Spy Who Loved Me. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1963) On Her Majesty’s Secret Service. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1964) You Only Live Twice. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1965) The Man with the Golden Gun. London: Jonathan Cape.
Fleming, Ian (1966) Octopussy and The Living Daylights. London: Jonathan Cape. [compilação de contos]
Markham, Robert (1968) Colonel Sun. London: Jonathan Cape. [pseudónimo de Kingsley Amis]
Pearson, John (1973) James Bond: The Authorized Biography of 007. London: Sidgwick & Jackson
Wood, Christopher (1977) James Bond, The Spy Who Loved Me. London: Jonathan Cape. [novelização]
Wood, Christopher (1979) James Bond and Moonraker. London: Jonathan Cape. [novelização]
Gardner, John (1981) Licence Renewed. London: Jonathan Cape.
Gardner, John (1982) For Special Services. London: Jonathan Cape.
Gardner, John (1983) Icebreaker. London: Jonathan Cape.
Gardner, John (1984) Role of Honour. London: Jonathan Cape.
Banda Desenhada
For Your Eyes Only (1981, Marvel Comics)
Octopussy (1982, Marvel Comics)
Videojogos
Inúmeros jogos
Fontes secundárias
Bibliografia
Black, Jeremy (2005). The Politics of James Bond: from Fleming’s Novel to the Big Screen. University of Nebraska Press.
Cork, John; Stutz, Collin (2007). James Bond Encyclopedia. London: Dorling Kindersley.
DK (2012). James Bond 50 Years of Movie Posters. London: Dorling Kindersley Publishers Ltd
Lindner, Christoph (2009). The James Bond Phenomenon: a Critical Reader. Manchester University Press.
Lycett, Andrew (1996). Ian Fleming – The Man Who Created James Bond. London: Phoenix.
Pfeiffer, Lee; Worrall, Dave (1998). The Essential Bond. London: Boxtree Ltd.
Simpson, Paul (2002). The Rough Guide to James Bond. Rough Guides.
Smith, Jim; Lavington, Stephen (2002). Bond Films. London: Virgin Books.
Documentário
Everything or Nothing (Stevan Riley, 2015)
Website
The Official James Bond 007 Website (https://www.007.com/)
Outras referências
Televisão
Climax! Temporada 1, Episódio 3: Casino Royale (William H. Brown, Jr.1954)
Cinema
Casino Royale (Val Guest, Ken Hughes, John Huston, Joseph McGrath, Robert Parrish , Richard Talmadge, 1867)
Nunca Mais Digas Nunca (Never Say Never Again, Irvin Kershner, 1983)